Bate-papo com Rodrigo Mesquita

Flipboard Brasil Blog / Fevereiro 3, 2015

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Rodrigo Mesquita é jornalista e bisneto de Júlio Mesquita, fundador do jornal O Estado de S. Paulo. Assim como seu bisavô, Rodrigo Mesquita é um homem a frente de seu tempo, com forte interesse e atuação em projetos ligados a tecnologias de informação e articulação de redes sociais.

Para Rodrigo Mesquita, vivemos hoje a era da mídia infinita e da economia social. Ele acredita que os veículos de comunicação estão passando por uma grande transformação, mas que a atual crise refere-se ao jornal de papel, não ao papel do jornal.

Conversamos com o jornalista sobre sua carreira, tecnologia da informação e o papel do jornalismo na era digital. Leia, a seguir, os principais trechos do nosso bate-papo com Rodrigo Mesquita. Para se aprofundar mais sobre o tema da mídia na era digital e conhecer melhor seu ponto de vista, confira a revista do Rodrigo Mesquita no Flipboard:O Papel do Jornal.

Você vem de uma família tradicional no jornalismo brasileiro. Formou-se em História pela FFLCH-USP (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo), e atuou em diversas funções como jornalista. Conte-nos um pouco sobre sua trajetória.
Eu me formei para ser jornalista, ser repórter dos confins, seja em uma esquina de São Paulo, São Francisco ou nos confins do mundo. Iniciei minha carreira como repórter do Jornal da Tarde, em 1976, e depois atuei como redator de política internacional, sub-editor, editor e editor-chefe. Realizei vários trabalhos na área de política internacional tais como a guerra Irã-Iraque, a guerra das Malvinas, entre outros. Fui também presidente da Fundação SOS Mata Atlântica e participei de uma série de reportagens sobre o litoral brasileiro, sua exploração, ocupação e preservação.

Na década de 80, percebi que o jornalismo iria passar por uma transformação profunda. Em 1988, assumi a diretoria geral da Agência Estado, e em 91 lancei o projeto Broadcast, que tornou-se empresa líder do mercado brasileiro de informação eletrônica em tempo real para o mercado financeiro. Saí do Estadão em 2003 e mergulhei na rede, sempre com foco em processos de gestão de relacionamento e monitoramento. Em 2003, fundei o Instituto Peabirus, que funciona como um laboratório digital para milhares de comunidades e seus processos de articulação de novos caminhos, num mundo sem fronteiras e conectado em tempo real.

Meu interesse em novas tecnologias e o futuro da informação também levou-me a ser sponsor e depois pesquisador afiliado de programas do MIT – Media Lab, por quase 15 anos. Atualmente, atuo através da empresa NetNexus – Sagres, trabalhando com gestão de processo de relacionamento. Uso os processos do jornalismo: monitoramento, curadoria e agregação, articulação e governança. Sempre foi assim. Só que hoje, é possível fazer isso com algoritmos e ferramentas, como o Flipboard, por exemplo.

Após o falecimento de seu pai, Ruy Mesquita, em 2013, você disse que ele foi o último grande jornalista do século XX e que nos deixava a lição de que a missão do jornal é perene. Como você enxerga o papel do jornal e do jornalista na era digital?
No curto prazo, acredito que estamos vendo uma balbúrdia interna, uma confusão devido a dificuldade das pessoas se identificarem com as fontes primárias e fontes de fato jornalísticas, enfim a se adaptarem às novas transformações.

Os problemas que os veículos de comunicação estão enfrentando hoje resultam da sua acomodação. As instituições são velhas e a internet tirou o domínio público das empresas tradicionais jornalísticas. Vivemos hoje a era da mídia infinita e da economia social, que é uma extensão da economia da era industrial. Portanto, o que está em risco hoje é o jornal de papel, não o papel do jornal. Este continua a ser um instrumento de articulação para a sociedade, e a nova infraestrutura de comunicação abre espaço para o “jornalismo cidadão”. O jornalismo é focado na cidadania, enquanto o marketing é focado em vendas. No futuro, a publicidade e o marketing serão substituídos por um processo de conversação contínuo das empresas, das pessoas e das entidades com o público na web. Viveremos a era da mídia infinita, que possibilita um rejuvenescimento da economia.

Já o futuro do jornalista, está no empreendedorismo. Antes, o profissional de informação se preparava para fazer carreira em uma empresa que o ajudava a promovê-lo como jornalista. Agora, ele terá que encontrar seu próprio caminho. Porém, empreendedorismo é uma loteria, pois muitas ideias aparecem, mas poucas conseguem virar realidade. Portanto, as empresas jornalísticas deveriam criar condições para fomentar o empreendedorismo, como por exemplo com a formação de ilhas jornalísticas, que funcionariam como pequenas empresas voltadas para cobrir um determinado nicho.

Tem uma frase do meu bisavô, Júlio Mesquita, que considero verdadeira até hoje para as empresas jornalísticas: “Jamais sonhei que tinha o direito ou o dever de formar a opinião pública de meu estado. Tudo o que eu fiz na minha vida foi sondar a opinião pública e me deixar levar tranquilo e sossegado pela corrente que me parecia mais acertada”. Era um homem além do seu tempo, pois já indicava que considerava o jornalismo uma atividade coletiva e colaborativa. A internet tirou o domínio dos grandes jornais. Hoje, todas as pessoas e todas as empresas são também parte do setor de informação. E o processo de digitalização da economia é irreversível.

Atualmente, você coordena o blog Confins, além de vários projetos ligados a tecnologia da informação e articulação de redes sociais. Com tantos projetos, como você faz para desconectar e relaxar?
Quando eu quero desconectar e relaxar, eu vou para São José dos Ararapira, uma vila localizada no litoral norte do Paraná, divisa com o Estado de São Paulo. Lá, não há energia nem conexão com a internet.

Porém, não acredito que exista um mundo digital e um outro mundo físico. É um mundo só. E num futuro breve, estaremos todos conectados 24 horas por dia. Não será mais uma questão de liga, desliga. Estaremos todos conectados digitalmente e quem estiver fora, vai estar fora do mundo.

Com uma carreira jornalística que abrange várias décadas, você participou de momentos importantes na história do Brasil e do mundo. Qual foi a reportagem que mais lhe marcou?
Existem várias matérias que foram marcantes, mas posso citar o trabalho que fiz durante a guerra das Malvinas.

Estava na Argentina, cobrindo, como repórter do jornal O Estado de São Paulo, a entrevista coletiva do comandante da Força Aérea Argentina, o general Basilio Lami Bozo. A entrevista foi dada em Comodoro Rivadavia, que era ponto de operação da Argentina para as Malvinas. Fiquei uns 15 dias por lá, e minha base era o jornal local “El Patagonico”, que o editor chefe chamava “El Patag”.

Depois da coletiva, desci para Rio Grande, Rio Gallegos e Ushuaia, numa viagem rápida, para produzir matérias de como a população estava esperando a guerra, e como os militares estavam utilizando a guerra para não dançarem no poder. Logo que cheguei a Ushuaia, nosso correspondente em Buenos Aires disse-me: “Não é oficial, mas amanhã as Malvinas vai ser invadida.” Quando soube que a guerra ia começar, resolvi ficar em Ushuaia, mas pedi ao nosso correspondente que me ligasse todos os dias. Na época, Ushuaia era território nacional e esta turma tinha mais força lá.

Naquela mesma noite, em 23 de abril de 1982, bateram na porta do meu quarto no hotel Albatroz, em Ushuaia. Quando abri a porta, dois paramilitares me ordenaram a vestir o casaco e acompanhá-los. Obedeci sem a menor hesitação. Eles pediram para eu apagar o cigarro e um dos homens me conduziu pelo braço. Falei que não havia necessidade de violência, mas ele pegou um dos meus braços e torceu-o nas costas.
Entramos por um beco mal iluminado e sem saída, ao lado do hotel. Os paramilitares me atiraram no banco de trás de um carro que estava estacionado no beco. Fui sequestrado, algemado, vendado e encapuzado. Depois de rodar de carro por várias horas, levaram-me para uma sala onde fui interrogado sobre o objetivo da minha viagem à Ushuaia. Passei as próximas 24horas entre a vida e a morte. Mas sobrevivi e, como pode ver, ainda estou aqui. E esta acabou sendo uma das melhores matérias que eu já escrevi.

~CarolF é colaboradora em “Papo de Menina”

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